quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Produção com a raça Anglonubiana

 

Existem algum sistemas de produção que são “universais”: basicamente, os sistemas intensivos, lembrando que intensivo não é sinônimo de confinado, e sim de elevado de elevado nível tecnológico, e consequentemente de investimento e de produtividade. Isso vale tanto para leite quanto para carne, e é um raciocínio similar ao que se vê tanto para bovinos de corte quanto de leite, para aves, para suínos e para qualquer animal de produção.

No bovino de leite é fácil exemplificar: um “free stall” é praticamente igual em qualquer parte do mundo. A instalação é basicamente a mesma em, com detalhes em cada região para ajustar a temperatura nos vários ambientes, mas das regiões mais frias às mais quentes, das mais secas às mais úmidas do mundo, cria-se vacas holandesas alimentadas à base de silagem e elevadas proporções de concentrados, basicamente milho e soja. As vacas são da raça holandesa, que têm que produzir no mínimo 10 vezes o próprio peso em uma lactação, o que significa 6 a 8.000 kg de leite em lactações de 10 meses ou mais. Há uma tendência a operações grandes, acima de 200 vacas, pois a margem por L de leite produzido é baixa, então é necessária a produção de uma grande quantidade de unidades. Como os animais são levados ao extremo de seu potencial produtivo, as questões reprodutivas e sanitárias são críticas, tanto que frquentemente as vacas duram 2, no máximo 3 lactações. Em regiões praticamente desérticas dos Estados Unidos, em regiões que ficam meses embaixo de neve no norte do mundo, em regiões próximas ao equador, quentes e úmidas, enfim, esse sistema existe e funciona eficientemente em qualquer parte do mundo, apenas com ajustes basicamente nas instalações para se acomodar às diferentes características de cada região. Qual o volume de dejetos produzido por unidade de área e seu impacto ambiental? Quanto se exige das vacas e consequentemente qual o respeito a “qualidade de vida” delas? No nosso gigantesco, no nosso continental país, free stall é assim também. E com isso é possível produzir grandes quantidades de leite por vaca em qualquer parte do Brasil. A questão é: essa é a única forma de se produzir leite de vaca no Brasil? É a melhor forma?

E com a bovinocultura de corte? Avicultura? Suinocultura?

E com a caprinocultura? É possível produzir tão intensamente. É, sim, possível produzir grande quantidades de leite por cabra e por unidade de área em qualquer parte do mundo, e ai obviamente o Brasil está incluído, basta que se corrijam as condições ambientais nas instalações, que se forneça a alimentação adequada, e que se enfrentem os problemas sanitários e reprodutivos de sistemas tão limítrofes. Eu já produzi assim: no final de 2007 nossas jovens Saanens, basicamente de 1ª e 2ª cria, produziam em média mais de 5 kg de leite/cabra/dia, tendo chegado a 6 kg/cabra/dia em um dado momento, e com uma boa condição sanitária e reprodutiva, mas logicamente à base de volumoso de excelente qualidade e concentrados de primeira qualidade e em enormes quantidade praticamente à vontade, até mesmo com uma certa restrição no volumoso para levar a uma maior ingestão de concentrados. Errado? Talvez não. O erro é achar que esse é o único modelo...

A segunda questão: vale a pensa, é a melhor alternativa, qualquer que seja a região do país e consequentemente sua condição ambiental, seja para produzir alimentos, seja para manter o necessário conforto para as cabras se aproximarem do seu limite produtivo? É aceitável quando se pensa nos animais? Nas questões ambientais? Para essas questões, não tenho uma única resposta...

Andando um pouco pelo mundo e vendo os sistemas de produção em uma dúzia de países, como Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Guatemala, Nova Zelândia, México e Uruguai, países, com os mais variados sistemas de produção, as mais diversas condições ambientais, e as mais heterogenias condições econômicas que se possa imaginar; e passando por todos os estados das regiões Sul, Sudeste, Centro Oeste e Nordeste e alguns estados da região Norte do Brasil, onde também se vê as mais inimagináveis diferenças, não é difícil perceber que não existe uma única forma de produzir, não há um único sistema, uma única raça, uma única resposta para muitas perguntas que podemos listar aqui.

Visitando exposições por muitos desses lugares, e depois visitando as criações, observa-se uma inacreditável diferença entre os animais, entre suas características, entre a condição dos animais apresentados nas exposições e nos presentes nas propriedades.

Toda essa experiência me fez refletir muito, e chegar a uma primeira conclusão: não existe um único sistema de produção, e não existe um melhor sistema de produção. Existem diferentes sistemas de produção, cada qual mais adequado a cada objetivo, a cada condição, e mesmo assim, todos eles sujeitos a críticas, a questionamentos e, dentro de certos limites, a alterações e adequações a cada momento, de acordo com as diferenças tecnológicas, conceituais e filosóficas que surgem a todo momento.

Pensando em tudo isso, e acompanhando as tendências e o dinamismo do mercado e a diversidade de possibilidades, somados à curiosidade e à inquietude de um pesquisador, fascinado por aprender, seja com a experiência daqueles que estão a mais tempo na estrada, seja na vivência do dia a dia de um criatório, veio a idéia de mudar tudo, sair de um sistema “universal”, devidamente desenvolvido, estruturado e equilibrado, enfim, estabilizado, para algo completamente novo, começando tudo de novo.

Foi quando mudamos para as Anglonubianas, que não são melhores do que as Saanen, nem piores, apenas são diferentes. Tudo com elas é diferente: a aparência é a diferença mais evidente, mas talvez seja o menos relevante: a produção de leite é diferente, em quantidade, qualidade e características de lactação; a reprodução é diferente, principalmente em sazonalidade e prolificidade; a rusticidade; o mercado... Tantas diferenças levam obrigatoriamente a um sistema de produção diferente. Criar Anglonubianas não é melhor do que criar Saanen, mas também não é pior. Mas é diferente, a, isso é, e bem diferente...

Produzir leite com cabras Anglonubianas

Produzir leite com cabras Anglonubianas é diferente de produzir leite com Saanens. Embora se possa produzir leite com Anglonubianas em confinamento, em condições ambientais favoráveis conseguidas com instalações sofisticadas, e consequentemente caras, alimentação de excelente qualidade, e consequentemente cara, manejo esmerado e consequentemente caro, pode-se produzir muito leite com Anglonubianas. Um leite com mais sólidos, mas em quantidade inferiores ao que se produz com Saanens. O pico pode ser alto, mas a persistência não se compara. A Anglonubiana pode estar presente nesses sistemas, sim, melhorando a qualidade do leite e produzindo em épocas críticas, devido à composição de seu leite e de suas peculiaridades reprodutivas, mas esse é o território das Saanens, não das Anglonubianas. Dizer que uma cabra Anglonubiana deve produzir pelo menos 800 kg por lactação de 305 dias é uma visão no mínimo limitada, senão equivocada. Esse raciocínio vale para Saanen, mas não para Anglonubianas. Duas lactações de 800 kg em 305 dias significa produzir 1.600 kg de leite em 2 anos e portanto 192 kg de sólidos e 3 cabritos; com as Anglonubianas é possível se produzir três lactações de 500 kg em 180 dias cada totalizando 1.500 kg de leite e portanto 210 kg de sólidos e 6 cabritos... Se pensarmos em cabras Saanen de 1.200 kg de leite, teremos 2.400 kg de leite, 288 kg de sólidos e os mesmos 3 cabritos. Ai passamos para o território da Saanen, e nos resta apenas questionar os custos, pois uma cabra que produz 1.200 kg come mais do que uma cabra que produz 800 kg, exige mais cuidados, e como está sob um maior desafio, certamente é um animal mais susceptível a problemas sanitários e provavelmente acabará sua vida produtiva mais cedo.

E se o sistema de produção for mais rústico, instalações mais simples, comida mais básica, manejo mais trivial? A Anglonubiana produzirá os mesmos 1.500 kg de leite, ou pouco menos, os mesmo 210 kg de sólidos, ou pouco mais, os mesmo 6 cabritos; nessas condições, provavelmente as Saanens não produzirão nem os 1.600 kg de leite, um pouco menos do que os 192 kg de sólidos e possivelmente os mesmos 3 cabritos.

Vamos piorar um pouco mais o sistema? A produção das Saanens irá diminuir? Com certeza... E a das Anglonubianas? Também, sim, mas ainda produzirá alguma coisa...

Vamos piorar um pouco mais? As Anglonubianas produzirão bem menos, se é que produzirão alguma coisa, mas provavelmente ao menos irão sobreviver, e quando as condições melhorarem, estarão por lá, prontas para voltarem à ativa... E as Saanen, será que produzirão alguma coisa? Será que sobreviverão?

Produzir carne com cabras Anglonubianas

Quando se prensa em produção de carne, normalmente são lembradas algumas características típicas dos machos: ganho de peso, conformação e rendimento de carcaça. E ai a raça Boer parece ser altamente competitiva...

E as características maternas?

Antes de desmamar um belo cabrito, obviamente ele precisa nascer. Assim, a fertilidade é fundamental. Para produzir mais cabritos ao longo do tempo, a fêmea deve dar mais partos ao longo do tempo, e consequentemente precisa ser menos sazonal, para que tenha um intervalo de partos de menos de 12 meses. Um de 15 kg, 2 de 12 ou 3 de 10? Mas adianta nascerem 2 ou 3 cabritos se a mãe não tiver leite para fornecer para eles? Assim, embora a Anglonubiana também possa ter um bom ganho de peso, uma boa conformação de carcaça e um bom ganho de peso, seus principais destaques estão em seu comportamento reprodutivo (fertilidade e prolificidade) e produção de leite, o alimento dos cabritos... O que é melhor, um bom cabrito, dois medianos ou três um pouco mais leves?

Mas para uma produtividade como essa, tem que ter comida...

E se a condição for um pouco pior?

Talvez seja preferível uma prolificidade um pouco mais baixa, para que a cabra desmame um cabrito de 12 kg, ou talvez 2 de 10 kg.

E se a situação piorar um pouco mais?

A desmama de um cabrito de 10 kg é o máximo que se pode esperar, e ai não faz muita diferença a produtividade das raças, é muito mais relevante a sua adaptação à condição adversa... Nessa situação, colocar uma raça mais produtiva, seja para pai, seja para mãe, provavelmente muito pouco irão ajudar, se é que não vão atrapalhar...

Os cruzamentos

Um assunto a parte são os cruzamentos, sejam para a produção de leite, sejam para a produção de carne. Além das qualidades de cada uma das raças, há os benefícios da complementariedade (a soma das qualidades de cada raça), e a heterose (um ganho adicional decorrente das diferenças das raças). Assim, em sistemas comerciais de produção de leite ou de carne, talvez o melhor caminho seja a utilização de cruzamentos, e isso vale para sistemas de tecnologia moderada no leite e em boas e médias situações na produção de leite. Em ótimas condições para produção de leite, o caminho é a utilização de raça leiteira especializada. Em condições adversas, seja para produção de leite, seja para produção de carne, antes de produzir, os animais precisam sobreviver. Nessas situações, o quesito raça perde bastante em relevância, e quanto mais produtiva ela for, mais inadequada ela se torna...

O Sertão do São Francisco

Quando me perguntam a quantos anos eu crio cabras, costumo brincar: todos... E é a mais pura verdade, desde criança convivo com as cabras, e direcionei minha formação profissional para a caprinocultura. Também trabalho com ovinos, um pouco com bovinos e até com bubalinos, enfim, ruminantes em geral, e com pastagens, principalmente para ruminantes, mas também para eqüinos, mas não da para negar, a menina dos olhos é a caprinocultura. E da minha geração eu acho que sou dos poucos que permanece fiel às cabras...

Como já mencionado no início da matéria, tive o privilégio de andar um pouco pelo mundo, e viver algumas experiências inesquecíveis:

- Sinto como se fosse hoje o momento em que entrei em um galpão na França onde vi 2.400 cabras Saanens e Alpinas que produziam cerca de 7.000 L de leite dia. Isso mesmo, 7.000 L de leite de cabra diários...

- Outra lembrança forte foi um lote de cerca de 400 cabritas Boer de 6 a 8 meses de idade que vi na Nova Zelândia

- E a terceira lembrança, que tenho mencionado como das mais fortes para mim, foram os 120 animais Anglonubianos das 30 Progênies de Pai da Nacional de, salvo engano, 2004, quando a Exposição Nacional foi em Teresina, onde tive o privilégio de julgar na companhia do colega Wilson Goslan e de minha querida amiga Kiky. Uma visão fantástica!

Mas nada, nada disso se compara ao que eu via agora em julho, quando passei uns dias na região de Juazeiro-BA: nunca vi tanta cabra na minha vida... E, talvez a principal, nunca vi a cabra com tamanha importância como nessa região. As pessoas vivem da cabra. As que não vivem diretamente, vivem indiretamente. Algumas só têm a cabra como fonte de renda. Mesmo quem tem outras alternativas, tem a cabra também... Se não tem, teve. Se não tem, nem teve, terá...

Com a hospitalidade característica e incomparável dos nordestinos, fui conhecer Uauá, a terra do bode, um sonho antigo do meu pai, que tive a oportunidade de realizar por ele, e, óbvio, por mim mesmo, e onde comecei a entender um pouco do significado da cabra para a região, já no trajeto de Juazeiro a Uauá. Também fui a Casa Nova e a Curaçá. Com isso passei por 4 dos 10 municípios que compõe a região do Sertão do São Francisco, onde 10 municípios reúnem 2 milhões de caprinos e 1,5 milhão de ovinos, totalizando 3,5 milhões de cabeças. Apenas para que se tenha uma referência do que isso significa, todo o estado de São Paulo tem algo como 0,5 milhão de caprinos e ovinos... O que temos em todo o estado onde vivo e trabalho, representa cerca de 15% do rebanho de apenas 10 municípios da Bahia...

E o que havia em comum na maioria dos animais que vi: em maior ou menor proporção, a raça Anglonubiana estava presente... Pouquíssimos animais das ditas raças nativas, alguns animais de raças especializadas, tanto Saanen quanto Boer, mas apenas em alguns poucos rebanhos melhor organizados e estruturados. No Sertão mesmo, animais cruzados, das mais variadas composições raciais, mas a grande maioria das vezes com algum sinal da raça Anglonubiana.

Foi a primeira vez que visitei uma região onde a cabra é, de fato, importante, e reconhecida como tal.

Ficou mais claro do que nunca a importância da raça Anglonubiana para a caprinocultura brasileira, e quanto os animais ali necessários são diferentes dos que vemos nas exposições.

Considerações finais

A produção de carne se intensificará nas regiões mais adversas, e para melhorar ainda mais seus resultados e se ajustar às exigências cada vez maiores dos consumidores, provavelmente se associará às regiões mais favorecidas, com a cria no Sertão e a recria e terminação na região mais próxima do São Francisco, em áreas irrigadas, em atividade solteira ou integrada à agricultura irrigada.

Acredito também no desenvolvimento da caprinocultura leiteira, ainda incipiente, mas com um enorme potencial para as áreas irrigadas, para a produção de leite para uso na merenda escolar e a melhoria da saúde infantil da região, e para a produção de queijos finos, que acompanharão muito bem a crescente produção de vinhos finos que acontece por lá, formando uma “dobradinha” imbatível, com uma troca de benefícios altamente atrativa para o turismo que se desenvolve na região, e mesmo para exportação, tanto para outras regiões do país como para o exterior.

A carne de cabrito e o leite e os queijos com leite de cabra têm tudo para mudar a realidade da região...

E nenhuma outra raça se encaixará tão bem nesse projeto Anglonubiana, nenhuma outra raça tem tanto a contribuir com esse desenvolvimento da região e com a melhoria da qualidade de vida dessa população tão sofrida, mas mesmo assim, composta por pessoas felizes e hospitaleiras, que merecem uma melhor qualidade de vida.

Esse ano infelizmente não irei à Nacional, que torço, com toda força e sinceridade, que seja plena em sucesso. Não sei quais são os animais que estarão por lá, mas acredito que será a maior exposição da raça Anglonubiana de todos os tempos. Acredito que a Grande Campeã será uma cabra adulta com mais de 100 kg, talvez com 120; o Grande Campeão, facilmente terá 120 kg, talvez mais... Não duvido que esses animais sejam provenientes de parto simples, e não acredito que tenham sido criados exclusivamente pelas suas mães. Se nasceram de parto múltiplo, foram criados sozinhos, com suplementação desde o nascimento. Serão verdadeiros atletas, que freqüentaram academia desde jovens, nadando e fazendo esteira. Se forem para leilão, e provavelmente irão, ultrapassarão os R$50.000... Bom para muitos...

Alguma coisa contra? Acho que não...

O que vou fazer, então?

Vou tentar trabalhar na Anglonubiana no qual acredito: vou para o Sertão do São Francisco, onde a cabra tem que produzir, e em condições nem sempre favoráveis, muito pelo contrário...

Em setembro o Capril Capritec estará na Região do Sertão do São Francisco, onde pretendemos participar desse desenvolvimento que a caprinocultura irá experimentar por lá. Em um futuro próximo, essa será não apenas a região de maior concentração de caprinos do Brasil. Na verdade, isso ela já é...

Será também a região mais importante, com o maior desenvolvimento, será o coração da caprinocultura brasileira.

Em termos raciais, a base mais encontrada na região já é a Anglonubiana, mas a inserção de animais melhorados, com foco na produtividade, com uma reprodução eficiente, fertilidade e prolificidade, uma boa conformação funcional, com tamanho mediano e bons aprumos e conformação de úbere, enfim, animais funcionais, a Anglonubiana na qual acreditamos, terá muito a contribuir nesse processo.

Vou tentar...

Vamos para lá?

Enviado por: Zeca Gertner

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Produção com a raça Anglonubiana

 

Existem algum sistemas de produção que são “universais”: basicamente, os sistemas intensivos, lembrando que intensivo não é sinônimo de confinado, e sim de elevado de elevado nível tecnológico, e consequentemente de investimento e de produtividade. Isso vale tanto para leite quanto para carne, e é um raciocínio similar ao que se vê tanto para bovinos de corte quanto de leite, para aves, para suínos e para qualquer animal de produção.

No bovino de leite é fácil exemplificar: um “free stall” é praticamente igual em qualquer parte do mundo. A instalação é basicamente a mesma em, com detalhes em cada região para ajustar a temperatura nos vários ambientes, mas das regiões mais frias às mais quentes, das mais secas às mais úmidas do mundo, cria-se vacas holandesas alimentadas à base de silagem e elevadas proporções de concentrados, basicamente milho e soja. As vacas são da raça holandesa, que têm que produzir no mínimo 10 vezes o próprio peso em uma lactação, o que significa 6 a 8.000 kg de leite em lactações de 10 meses ou mais. Há uma tendência a operações grandes, acima de 200 vacas, pois a margem por L de leite produzido é baixa, então é necessária a produção de uma grande quantidade de unidades. Como os animais são levados ao extremo de seu potencial produtivo, as questões reprodutivas e sanitárias são críticas, tanto que frquentemente as vacas duram 2, no máximo 3 lactações. Em regiões praticamente desérticas dos Estados Unidos, em regiões que ficam meses embaixo de neve no norte do mundo, em regiões próximas ao equador, quentes e úmidas, enfim, esse sistema existe e funciona eficientemente em qualquer parte do mundo, apenas com ajustes basicamente nas instalações para se acomodar às diferentes características de cada região. Qual o volume de dejetos produzido por unidade de área e seu impacto ambiental? Quanto se exige das vacas e consequentemente qual o respeito a “qualidade de vida” delas? No nosso gigantesco, no nosso continental país, free stall é assim também. E com isso é possível produzir grandes quantidades de leite por vaca em qualquer parte do Brasil. A questão é: essa é a única forma de se produzir leite de vaca no Brasil? É a melhor forma?

E com a bovinocultura de corte? Avicultura? Suinocultura?

E com a caprinocultura? É possível produzir tão intensamente. É, sim, possível produzir grande quantidades de leite por cabra e por unidade de área em qualquer parte do mundo, e ai obviamente o Brasil está incluído, basta que se corrijam as condições ambientais nas instalações, que se forneça a alimentação adequada, e que se enfrentem os problemas sanitários e reprodutivos de sistemas tão limítrofes. Eu já produzi assim: no final de 2007 nossas jovens Saanens, basicamente de 1ª e 2ª cria, produziam em média mais de 5 kg de leite/cabra/dia, tendo chegado a 6 kg/cabra/dia em um dado momento, e com uma boa condição sanitária e reprodutiva, mas logicamente à base de volumoso de excelente qualidade e concentrados de primeira qualidade e em enormes quantidade praticamente à vontade, até mesmo com uma certa restrição no volumoso para levar a uma maior ingestão de concentrados. Errado? Talvez não. O erro é achar que esse é o único modelo...

A segunda questão: vale a pensa, é a melhor alternativa, qualquer que seja a região do país e consequentemente sua condição ambiental, seja para produzir alimentos, seja para manter o necessário conforto para as cabras se aproximarem do seu limite produtivo? É aceitável quando se pensa nos animais? Nas questões ambientais? Para essas questões, não tenho uma única resposta...

Andando um pouco pelo mundo e vendo os sistemas de produção em uma dúzia de países, como Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Cuba, Espanha, Estados Unidos, França, Guatemala, Nova Zelândia, México e Uruguai, países, com os mais variados sistemas de produção, as mais diversas condições ambientais, e as mais heterogenias condições econômicas que se possa imaginar; e passando por todos os estados das regiões Sul, Sudeste, Centro Oeste e Nordeste e alguns estados da região Norte do Brasil, onde também se vê as mais inimagináveis diferenças, não é difícil perceber que não existe uma única forma de produzir, não há um único sistema, uma única raça, uma única resposta para muitas perguntas que podemos listar aqui.

Visitando exposições por muitos desses lugares, e depois visitando as criações, observa-se uma inacreditável diferença entre os animais, entre suas características, entre a condição dos animais apresentados nas exposições e nos presentes nas propriedades.

Toda essa experiência me fez refletir muito, e chegar a uma primeira conclusão: não existe um único sistema de produção, e não existe um melhor sistema de produção. Existem diferentes sistemas de produção, cada qual mais adequado a cada objetivo, a cada condição, e mesmo assim, todos eles sujeitos a críticas, a questionamentos e, dentro de certos limites, a alterações e adequações a cada momento, de acordo com as diferenças tecnológicas, conceituais e filosóficas que surgem a todo momento.

Pensando em tudo isso, e acompanhando as tendências e o dinamismo do mercado e a diversidade de possibilidades, somados à curiosidade e à inquietude de um pesquisador, fascinado por aprender, seja com a experiência daqueles que estão a mais tempo na estrada, seja na vivência do dia a dia de um criatório, veio a idéia de mudar tudo, sair de um sistema “universal”, devidamente desenvolvido, estruturado e equilibrado, enfim, estabilizado, para algo completamente novo, começando tudo de novo.

Foi quando mudamos para as Anglonubianas, que não são melhores do que as Saanen, nem piores, apenas são diferentes. Tudo com elas é diferente: a aparência é a diferença mais evidente, mas talvez seja o menos relevante: a produção de leite é diferente, em quantidade, qualidade e características de lactação; a reprodução é diferente, principalmente em sazonalidade e prolificidade; a rusticidade; o mercado... Tantas diferenças levam obrigatoriamente a um sistema de produção diferente. Criar Anglonubianas não é melhor do que criar Saanen, mas também não é pior. Mas é diferente, a, isso é, e bem diferente...

Produzir leite com cabras Anglonubianas

Produzir leite com cabras Anglonubianas é diferente de produzir leite com Saanens. Embora se possa produzir leite com Anglonubianas em confinamento, em condições ambientais favoráveis conseguidas com instalações sofisticadas, e consequentemente caras, alimentação de excelente qualidade, e consequentemente cara, manejo esmerado e consequentemente caro, pode-se produzir muito leite com Anglonubianas. Um leite com mais sólidos, mas em quantidade inferiores ao que se produz com Saanens. O pico pode ser alto, mas a persistência não se compara. A Anglonubiana pode estar presente nesses sistemas, sim, melhorando a qualidade do leite e produzindo em épocas críticas, devido à composição de seu leite e de suas peculiaridades reprodutivas, mas esse é o território das Saanens, não das Anglonubianas. Dizer que uma cabra Anglonubiana deve produzir pelo menos 800 kg por lactação de 305 dias é uma visão no mínimo limitada, senão equivocada. Esse raciocínio vale para Saanen, mas não para Anglonubianas. Duas lactações de 800 kg em 305 dias significa produzir 1.600 kg de leite em 2 anos e portanto 192 kg de sólidos e 3 cabritos; com as Anglonubianas é possível se produzir três lactações de 500 kg em 180 dias cada totalizando 1.500 kg de leite e portanto 210 kg de sólidos e 6 cabritos... Se pensarmos em cabras Saanen de 1.200 kg de leite, teremos 2.400 kg de leite, 288 kg de sólidos e os mesmos 3 cabritos. Ai passamos para o território da Saanen, e nos resta apenas questionar os custos, pois uma cabra que produz 1.200 kg come mais do que uma cabra que produz 800 kg, exige mais cuidados, e como está sob um maior desafio, certamente é um animal mais susceptível a problemas sanitários e provavelmente acabará sua vida produtiva mais cedo.

E se o sistema de produção for mais rústico, instalações mais simples, comida mais básica, manejo mais trivial? A Anglonubiana produzirá os mesmos 1.500 kg de leite, ou pouco menos, os mesmo 210 kg de sólidos, ou pouco mais, os mesmo 6 cabritos; nessas condições, provavelmente as Saanens não produzirão nem os 1.600 kg de leite, um pouco menos do que os 192 kg de sólidos e possivelmente os mesmos 3 cabritos.

Vamos piorar um pouco mais o sistema? A produção das Saanens irá diminuir? Com certeza... E a das Anglonubianas? Também, sim, mas ainda produzirá alguma coisa...

Vamos piorar um pouco mais? As Anglonubianas produzirão bem menos, se é que produzirão alguma coisa, mas provavelmente ao menos irão sobreviver, e quando as condições melhorarem, estarão por lá, prontas para voltarem à ativa... E as Saanen, será que produzirão alguma coisa? Será que sobreviverão?

Produzir carne com cabras Anglonubianas

Quando se prensa em produção de carne, normalmente são lembradas algumas características típicas dos machos: ganho de peso, conformação e rendimento de carcaça. E ai a raça Boer parece ser altamente competitiva...

E as características maternas?

Antes de desmamar um belo cabrito, obviamente ele precisa nascer. Assim, a fertilidade é fundamental. Para produzir mais cabritos ao longo do tempo, a fêmea deve dar mais partos ao longo do tempo, e consequentemente precisa ser menos sazonal, para que tenha um intervalo de partos de menos de 12 meses. Um de 15 kg, 2 de 12 ou 3 de 10? Mas adianta nascerem 2 ou 3 cabritos se a mãe não tiver leite para fornecer para eles? Assim, embora a Anglonubiana também possa ter um bom ganho de peso, uma boa conformação de carcaça e um bom ganho de peso, seus principais destaques estão em seu comportamento reprodutivo (fertilidade e prolificidade) e produção de leite, o alimento dos cabritos... O que é melhor, um bom cabrito, dois medianos ou três um pouco mais leves?

Mas para uma produtividade como essa, tem que ter comida...

E se a condição for um pouco pior?

Talvez seja preferível uma prolificidade um pouco mais baixa, para que a cabra desmame um cabrito de 12 kg, ou talvez 2 de 10 kg.

E se a situação piorar um pouco mais?

A desmama de um cabrito de 10 kg é o máximo que se pode esperar, e ai não faz muita diferença a produtividade das raças, é muito mais relevante a sua adaptação à condição adversa... Nessa situação, colocar uma raça mais produtiva, seja para pai, seja para mãe, provavelmente muito pouco irão ajudar, se é que não vão atrapalhar...

Os cruzamentos

Um assunto a parte são os cruzamentos, sejam para a produção de leite, sejam para a produção de carne. Além das qualidades de cada uma das raças, há os benefícios da complementariedade (a soma das qualidades de cada raça), e a heterose (um ganho adicional decorrente das diferenças das raças). Assim, em sistemas comerciais de produção de leite ou de carne, talvez o melhor caminho seja a utilização de cruzamentos, e isso vale para sistemas de tecnologia moderada no leite e em boas e médias situações na produção de leite. Em ótimas condições para produção de leite, o caminho é a utilização de raça leiteira especializada. Em condições adversas, seja para produção de leite, seja para produção de carne, antes de produzir, os animais precisam sobreviver. Nessas situações, o quesito raça perde bastante em relevância, e quanto mais produtiva ela for, mais inadequada ela se torna...

O Sertão do São Francisco

Quando me perguntam a quantos anos eu crio cabras, costumo brincar: todos... E é a mais pura verdade, desde criança convivo com as cabras, e direcionei minha formação profissional para a caprinocultura. Também trabalho com ovinos, um pouco com bovinos e até com bubalinos, enfim, ruminantes em geral, e com pastagens, principalmente para ruminantes, mas também para eqüinos, mas não da para negar, a menina dos olhos é a caprinocultura. E da minha geração eu acho que sou dos poucos que permanece fiel às cabras...

Como já mencionado no início da matéria, tive o privilégio de andar um pouco pelo mundo, e viver algumas experiências inesquecíveis:

- Sinto como se fosse hoje o momento em que entrei em um galpão na França onde vi 2.400 cabras Saanens e Alpinas que produziam cerca de 7.000 L de leite dia. Isso mesmo, 7.000 L de leite de cabra diários...

- Outra lembrança forte foi um lote de cerca de 400 cabritas Boer de 6 a 8 meses de idade que vi na Nova Zelândia

- E a terceira lembrança, que tenho mencionado como das mais fortes para mim, foram os 120 animais Anglonubianos das 30 Progênies de Pai da Nacional de, salvo engano, 2004, quando a Exposição Nacional foi em Teresina, onde tive o privilégio de julgar na companhia do colega Wilson Goslan e de minha querida amiga Kiky. Uma visão fantástica!

Mas nada, nada disso se compara ao que eu via agora em julho, quando passei uns dias na região de Juazeiro-BA: nunca vi tanta cabra na minha vida... E, talvez a principal, nunca vi a cabra com tamanha importância como nessa região. As pessoas vivem da cabra. As que não vivem diretamente, vivem indiretamente. Algumas só têm a cabra como fonte de renda. Mesmo quem tem outras alternativas, tem a cabra também... Se não tem, teve. Se não tem, nem teve, terá...

Com a hospitalidade característica e incomparável dos nordestinos, fui conhecer Uauá, a terra do bode, um sonho antigo do meu pai, que tive a oportunidade de realizar por ele, e, óbvio, por mim mesmo, e onde comecei a entender um pouco do significado da cabra para a região, já no trajeto de Juazeiro a Uauá. Também fui a Casa Nova e a Curaçá. Com isso passei por 4 dos 10 municípios que compõe a região do Sertão do São Francisco, onde 10 municípios reúnem 2 milhões de caprinos e 1,5 milhão de ovinos, totalizando 3,5 milhões de cabeças. Apenas para que se tenha uma referência do que isso significa, todo o estado de São Paulo tem algo como 0,5 milhão de caprinos e ovinos... O que temos em todo o estado onde vivo e trabalho, representa cerca de 15% do rebanho de apenas 10 municípios da Bahia...

E o que havia em comum na maioria dos animais que vi: em maior ou menor proporção, a raça Anglonubiana estava presente... Pouquíssimos animais das ditas raças nativas, alguns animais de raças especializadas, tanto Saanen quanto Boer, mas apenas em alguns poucos rebanhos melhor organizados e estruturados. No Sertão mesmo, animais cruzados, das mais variadas composições raciais, mas a grande maioria das vezes com algum sinal da raça Anglonubiana.

Foi a primeira vez que visitei uma região onde a cabra é, de fato, importante, e reconhecida como tal.

Ficou mais claro do que nunca a importância da raça Anglonubiana para a caprinocultura brasileira, e quanto os animais ali necessários são diferentes dos que vemos nas exposições.

Considerações finais

A produção de carne se intensificará nas regiões mais adversas, e para melhorar ainda mais seus resultados e se ajustar às exigências cada vez maiores dos consumidores, provavelmente se associará às regiões mais favorecidas, com a cria no Sertão e a recria e terminação na região mais próxima do São Francisco, em áreas irrigadas, em atividade solteira ou integrada à agricultura irrigada.

Acredito também no desenvolvimento da caprinocultura leiteira, ainda incipiente, mas com um enorme potencial para as áreas irrigadas, para a produção de leite para uso na merenda escolar e a melhoria da saúde infantil da região, e para a produção de queijos finos, que acompanharão muito bem a crescente produção de vinhos finos que acontece por lá, formando uma “dobradinha” imbatível, com uma troca de benefícios altamente atrativa para o turismo que se desenvolve na região, e mesmo para exportação, tanto para outras regiões do país como para o exterior.

A carne de cabrito e o leite e os queijos com leite de cabra têm tudo para mudar a realidade da região...

E nenhuma outra raça se encaixará tão bem nesse projeto Anglonubiana, nenhuma outra raça tem tanto a contribuir com esse desenvolvimento da região e com a melhoria da qualidade de vida dessa população tão sofrida, mas mesmo assim, composta por pessoas felizes e hospitaleiras, que merecem uma melhor qualidade de vida.

Esse ano infelizmente não irei à Nacional, que torço, com toda força e sinceridade, que seja plena em sucesso. Não sei quais são os animais que estarão por lá, mas acredito que será a maior exposição da raça Anglonubiana de todos os tempos. Acredito que a Grande Campeã será uma cabra adulta com mais de 100 kg, talvez com 120; o Grande Campeão, facilmente terá 120 kg, talvez mais... Não duvido que esses animais sejam provenientes de parto simples, e não acredito que tenham sido criados exclusivamente pelas suas mães. Se nasceram de parto múltiplo, foram criados sozinhos, com suplementação desde o nascimento. Serão verdadeiros atletas, que freqüentaram academia desde jovens, nadando e fazendo esteira. Se forem para leilão, e provavelmente irão, ultrapassarão os R$50.000... Bom para muitos...

Alguma coisa contra? Acho que não...

O que vou fazer, então?

Vou tentar trabalhar na Anglonubiana no qual acredito: vou para o Sertão do São Francisco, onde a cabra tem que produzir, e em condições nem sempre favoráveis, muito pelo contrário...

Em setembro o Capril Capritec estará na Região do Sertão do São Francisco, onde pretendemos participar desse desenvolvimento que a caprinocultura irá experimentar por lá. Em um futuro próximo, essa será não apenas a região de maior concentração de caprinos do Brasil. Na verdade, isso ela já é...

Será também a região mais importante, com o maior desenvolvimento, será o coração da caprinocultura brasileira.

Em termos raciais, a base mais encontrada na região já é a Anglonubiana, mas a inserção de animais melhorados, com foco na produtividade, com uma reprodução eficiente, fertilidade e prolificidade, uma boa conformação funcional, com tamanho mediano e bons aprumos e conformação de úbere, enfim, animais funcionais, a Anglonubiana na qual acreditamos, terá muito a contribuir nesse processo.

Vou tentar...

Vamos para lá?

Enviado por: Zeca Gertner